terça-feira, 5 de outubro de 2010

Anicê



Anicê.
Fogo! E o mundo inteiro parece cair a seus pés.
A garota de cabelos e traços indígenas se redescobre divertindo-se naquela imagem de devastação. Amerê!
Hoje sou como Arani.
No lugar de florestas: gado, pasto, dinheiro fazendo dinheiro.
E me mudam de lugar. Casa nova.
No lugar da favela, de sua casa, de seus pequenos pertences sem valor monetário algum: a rodovia, os carros correndo de faróis feitos olhos selvagens na noite.
Bando de Jaguar.
Agora, novamente o fogo!
Quem chorou e quem se debulhou em lágrimas quando nem o vôo mais alto do pássaro mais rápido foi suficiente para sua fuga?
Quem chorou quando as madeiras da favela, quando a cortina velha, o lençol cheiroso viraram cinzas?
Cinzas para cobrir as cinzas de sua tristeza.
Eu sou Arani.
Fogo na grande casa. Fogo! O brilho de tupã seria cegado pelas chamas ferozes da revolta.
Mas é a mãe lua que presencia sua festa:
Ah, Airequecê!
Bandeira hasteada pela mão direita.
A alma limpa de dor e pelas mãos macias da vingança.
O corpo nu, os passos lentos.
Vestida de Araruna.
Ao longe o primeiro carro de bombeiros, do outro lado a viatura policial.
Índio anda pelado sim, meu senhor.
Eu sou Avá.
Ela pode alegar qualquer coisa perante as leis do homem branco.
E além do mais, não faz diferença.
Trocar uma cela por outra cela menor.
Alcova por cova, nem faz tanta diferença.
Além do mais, é dia de índio.
E índio quer... Quer ver o circo pegar fogo, porque palhaça é invenção dessa gente, dessa gente que não se sabe dizer muito bem quem ou o que é.
Índio quer ver o fogo.
Amerê. Amerê. Amerê.
Sou Avá e Araruna.
Airequecê. Esplendor que só você vê, Airequecê.
E que Amanaci hoje não de o ar de sua graça.
Hoje o Ipiranga vai fazer jus ao nome, é dia de Anicê.
E eu sou An!




Arani: tempo furioso
Amerê: Fumaça
Airequecê: Lua
Araruna: Ave preta.
Amanaci: Senhora da chuva
Ipiranga: rio vermelho.
Anicê: fogo.
An: fantasma

3 comentários:

  1. Hei!!!!!!
    Gostei, tem um tom guerreiro!

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  2. Crítico e poético.

    Muito bom conhecer mais uma de suas mil facetas como escritora.

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  3. Bem diferente da maioria dos poemas, versos e afins néh. Lindo, perfeito e contribui um tantão a mais na nossa cultura que a cada dia se afasta, distancia mais do que fomos e do que não deveriámos deixar de ser, nativos;

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