terça-feira, 30 de março de 2010

Nihil II



São apenas cinco metros até a casa de Líli e eu não consigo ver daqui.
Ás vezes eu tenho a sensação de estar ouvindo a sua cadeira de rodas ranger, mas eu sei que isso é uma ilusão.
Eu não ouço mais os tiros e bombardeios a mais ou menos duas semanas, isso é o que me lembro ou imagino que seja.
Quase estou acreditando que o relógio esta girando seus ponteiros mais devagar, e se ele parar eu estarei perdida.
É difícil acreditar que chegamos até aqui, mas o Léo já acha impossível acreditar que algum dia foi diferente. Desde que nosso bebe nasceu morto e seco ele não fala direito comigo.
Foi tudo no meio daquela fumaça e eu não posso dizer que um dia fui uma mulher saudável. Acho até bom que meu pequeno tenha nascido morto, assim, é um a menos para sofrer.
Os mantimentos mal dão para mim e para ele, não tem mais água encanada, e nós não tomamos mais banho.
Eu tenho chamado o Leo sempre, peço para ele sair daquele quarto empesteado pelo cheiro do bebe morto, ainda bem que ele já nasceu seco, se não teríamos vários bichos aqui, comendo os restos dele.
Ele sempre quis ter um filho, eu não lhe culpo.
Não posso esquecer-me de conferir o estoque de velas. Estamos nos alimentando de pão que eu mesma faço, é difícil assar sem gás, às vezes o Leo me ajuda a ascender o fogão com restos dos nossos móveis, eu espero que o álcool não acabe.
Talvez, se os bombardeios não voltarem a gente tente sair novamente.


Nihil I

http://framboesasnojardim.blogspot.com/2008/07/feche-janela-meu-querido-no-h-nada-para.html

Adeus




Hoje nós temos um motivo bobo para sorrir, poderíamos nos abraçar forte e nos alimentar do calor do outro, sentindo o cheiro de flores, refrescantes dentro da sala neste dia frio e sem sol.
Nós poderíamos esquecer as magoas, e até deixar cair algumas lágrimas de alegria regando nosso sorriso, nós poderíamos continuar juntos por mais um dia, ouvindo aquela canção, aquele ritmo que nos ilumina de dentro para fora e falar das memórias.
Depois, poderíamos nos entregar naquele longo beijo, devorando o outro através dos lábios, só tato e pele, e minhas mãos na sua nuca e suas mãos nas minhas costas.
Olharíamos um nos olhos do outro e seriamos felizes.
Nós poderíamos, mas como a brisa do mar, você levou embora todas as minhas esperanças, devorou minhas necessidades, e simplesmente com a mão sobre meu ombro, você me disse adeus.
Eu olhei pela janela, e não pude dizer mais nada. O adeus que eu lhe daria esta ainda dentro de minha garganta proibindo minha respiração, assim como seu perfume ainda esta na minha toalha, proibindo-me que eu a lave.
Você cheirava a rosas. Feliz aniversário...

Imagem: René Magritte - Os Amantes

terça-feira, 23 de março de 2010

Outono de 2010





Eu preciso te dizer outono, mais uma vez, sobre meu amor por ti.
Sobre esta vontade de usar cachecol ao vento batendo a sola dos coturnos sobre as calçadas cinzentas de minha cidade caótica e encantadora, também embevecida em ti, outono (feito eu nos aromas de vinho ou cafeína).
Entre tuas folhas que logo mais caírão amareladas, aquele amarelado de foto, de livro, de folhas de caderno. Junto com cheiro bom de se embalar na ventania do tempo. Ser simplesmente este tempo amigo e me confortar neste presente querido e venturoso. Alimentando as certezas de um momento tão mágico que é esta simplicidade, e aquela vontade enorme de no futuro ter colo. Um colo amigo e confortável que não prenda.
É chegada a estação de beber café, cappuccino, chá quente.
Estação de ir ao cinema de filmes europeus. Estação de amar.
É um prazer quieto e melancólico de estar tão consigo mesmo, e quase completo nos afazeres bons do cotidiano, mas sem rotina, sem sina, sem dificuldades.
É estação de ouvir música boa, ler bons livros.
Escrever os sentimentos e descrever os momentos pintando e reproduzindo tantas cores calmas no céu. Tudo um pouco aquarela.
O balançar das árvores, em breve só galhos.
O cheiro de asfalto molhado na cidade, e terra molhada do quintal.
Vontade de abraçar todos os amigos.
Sempre quando chega o outono, parece que volto pra casa. Essa minha casa que sou eu nesse estado tão puro e verdadeiro de estar comigo.
Tudo enquanto o mesmo pincel se molha na garoa e mancha as cores no papel texturizado, tato mais delicado e atento. Tato para abraço, para lábios, para papel, para outra pele, tato para pintar.
O azul e o branco acinzentados são quase a mesma cor.
Eu vou sujar as pontas dos dedos com essa aquarela.
Seja bem vindo mais uma vez querido Outono.
E estou tão feliz de estar aqui para lhe receber.
Anjo quieto, pálido e confortável, peço que me inspire, que eu possa respirar de ti, me encher com tua poesia, com tua lasciva tênue. Com tua arte que é nos preparar e nos causar surpresas.
Se tu fosses homem, outono, eu ser-te-ia fiel a amar apenas ti para sempre. Sendo este anjo de pintura de aquarela envelhecida como se apresento, sou-te grata, apaixonada e eternamente uma aprendiz.
O dia que eu for como tu, Outono, eu sei que saberei o que se pode chamar de felicidade.

Imagem: A Noiva Cadaver, por poesia melancólica..

Lieben und nur Lieben*



Vozes no peito confuso sobre ti, meu amigo distante,
Alimento desta minha alma - sonhos e a vontade -
Que fortalece a espera do meu eco viajante
E fere o coração confuso entre a casta e leal amizade.

Pernas bambas. Seguro-me nesta insegurança e tento dançar
Vontade de te observar, desbravar teus caminhos e cantos,
Teus olhos, teus lábios, tua barba pequena para eu acariciar,
Tuas verdades, tuas histórias, teu sorriso pelo qual torço tanto.

E longas noites percorrer a estrada de conhecer-te.
O coração pulsa, as mãos tremem. Balançar no suor frio.
O que era um querer sentir, cavalheiro, é hoje querer ter-te
E deixar-me levar pelas tuas virtudes como ao leito de tênue de rio.

Eu preciso te ver, te conhecer, e no olhar dos olhos teus
- ao deliciar-me na atenção aos teus contornos da face –
Sob suas sobrancelhas, pra que tu possa ver nos olhos meus
o tamanho do brilho diante de teu semblante que me enlaces.

São tuas palavras, tua força, tua busca pela vitória nos prélios,
Teu “Eu” que escondes de tantos, mas me parece, me descreves.
É por ele – esse teu inteiro - que me apaixono fazendo luz ao mistério
Que aos poucos pretendo lhe revelar, sem dominar-me pela febre.

Pois tu és um, por quem eu me apaixono e aquele que almejo.

Pernas bambas. Seguro-me nesta insegurança e tento dançar
Vontade de te observar, desbravar teus caminhos e cantos,
Teus olhos, teus lábios, tua barba pequena para eu acariciar,
Tuas verdades, tuas histórias, teu sorriso pelo qual torço tanto.

Pois tu és único.


*Amor e apenas amor.
Imagem: Shiryu, pelo que ele representa e para lembrar de um tempo onde as fantasias da infãncia se concretizavam, de uma forma, ou de outra.