sábado, 12 de julho de 2008

Artemis





















Procuro fotos nas gavetas.
Nas gavetas do tempo e da memória eu procuro imagens tuas
Para lembrar-me do teu semblante e do azul plácido brilhante dos teus olhos
(ou seriam castanhos?)
Terra castanha do sítio que é teu cabelo, areia branca fina da praia que é tua pele.
E o vestido que é cobertor, donzela. A coberta que é vestido.
Água do banho que é cachoeira, teu canto sereia, teu canto.
Hiato de sons e murmúrios que perambulam pela casa.
Minha velhice que sossega a irá.
Procuro nas gavetas, teu pente ainda tem um fio prateado:
A marca do tempo e da saudade.
E fotos, não há.
Qual era a cor dos teus olhos? Qual era? Qual era teu cheiro, amor?
Que o perfume já secou e amarelou os livros.
Páginas dobradas, anotações, filosofias.
Livro de receitas, romances e virtudes.
Características e pesares.
Pingente de lua, brincos, pulseira e anéis.
Um broche dourado que tu nunca usaste.
O rótulo de um vinho, poeira.
Procuro fotos nas gavetas.
Sem eira nem beira.
Camisola, lingerie, velho, decrépito, tudo cheira a mofo.
Tudo que pode caber em uma gaveta, coisas que não ficam na memória.
Nome que confunde com apelido carinhoso.
Moedas que não valem mais.
Ah, Artemis. Fugiste,
Não lembro, não lembro, não lembro.
Mãos enrugadas que não seguram nada.
Memória falha de onde tudo escapa.
Fugiste Artemis, fugiste.
Caixa preta caída atrás da camiseira.
Peito que lateja, olhar que lacrimeja, mãos tremem, amiga.
Que saudade de você. Que vontade de lembrar o teu rosto.
Recortes de jornais, velhos, um pouco rasgados.
Passado cruel sempre volta, feito gosto de fel que não sai da boca.
Violência dama, sem pena, cem cortes, devagar, lento, profundo.
Cem cortes, na memória das notícias sem cortes.
Recortes de jornais, óbito.
Procurando as fotos nas gavetas, só uma: “Preto e branca”.
Sem cor dos olhos teus, sem cor do teu cabelo.
Jovem era. Então o fio branco no pente é meu.

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