quinta-feira, 28 de outubro de 2010

As fitas de Pandora

Ao abrir os olhos no vácuo da quietude, deparamo-nos com as cortinas do tempo turvando o ar e hipnotizando as vontades.
Tudo parece estático, branco, invalido e triste.
Uma tristeza longa no peito, dias normais de entardeceres solitários. As lágrimas que não vem aos olhos, mas não por falta de vontade.
Frio, mesmo sem vento para eriçar os pelos da pele, o peito sozinho infla e dissolve novamente o oxigênio no ar...
Inspiração e expiração na tentativa pacífica do corpo de reagir à tênue apatia dos sentidos.
Uma neblina rasteira, manipuladora e vagarosa se aproxima dos arredores da alma.
Uma voz, um canto indecifrável chora vindo da nuca, de trás dos ouvidos, de dentro dos olhos, da garganta incrédula e incapaz.
Os ponteiros do relógio consomem cadavéricos as boas memórias, as vitórias, e regurgitam pesares.
Olhares vazios se cruzam, a natureza retrata no empalidecer dos concretos e dos galhos ríspidos e das estatuas solitárias a catatônica sinfonia da agonia.
As pequenas velas da esperança não são suficientes para aquecer os membros em busca de novas caminhadas que façam sentido...
... os passos se perdem nas trilhas da insegurança. Uma loucura dada pelas mãos da impotência.
Passados remotos guardam males e perdas ainda presentes e inertes nos ombros.
Os joelhos se embaralham, as mãos sem atrito escorregam nos vãos que margeiam a razão.
As horas demoram arrastadas, sádicas em torturar seus prisioneiros.
No horizonte inalcançável o outro silêncio, o silêncio do alívio.
Entre os rastros deixados para traz sorrisos periféricos e audaciosos... incrédulos, mas não tão firmes.
Os sons se emudecem aos ouvidos alquebrados diante a ambigüidade: turbilhão de densas emoções versus abismo e limbo que absorve os possíveis sabores da vida.
Os ritmos seguem o compasso denso e lerdo da sofreguidão...
Quanto mais perto de si mesmo, mais longe de si, e não mais. Uma estrada em círculos... a revisitação ao conhecido desassossego.
E se no susto, venta, o gélido soprar do males da alma arquitetam a dança mórbida das fadas espectrais da humanidade.
A tristeza se confunde com melancolia, e a melancolia se dissemina como garoa fina.
Os rumores da subjetividade voam longe, ganham as barreiras da visão, atravessam os lençóis transparentes das gotículas que vem inutilmente das nuvens na tentativa de afagar as cicatrizes.
Mas logo também se vai... Mas ela fica, amiga inseparável das infelicidades e do auto-reconhecimento deste ser humano que é falho. E que por ser falho, se martiriza e se angustia.
E vejam, lá estão as fitas...

Baseada no video de Larissa Anzoategui
Angústia

terça-feira, 19 de outubro de 2010

Ao Leito

Perdi as contas de quantas vezes tentei matar você em mim. Hoje sem forças, e de joelhos eu desisto de tudo. Sem forças, eu não me agarro em nada, tudo que passa diante meus olhos passa, e nada que o rio me trás eu tentarei alcançar. Se chover, da tempestade eu vou viver. Caso a ventania me levar pro sul, este será meu norte e nada eu vou prever. Se amanhecer, querido, vou fotografar na memória o roxo que nasce vagarosamente no horizonte, se vier com sol ou neblina, é desse dia que minha sina vai viver. Por que se eu morrer – ah, se eu morrer! – não vou ter comigo nenhum pesar a que recorrer, a não ser as barreiras que nunca de mim dependeram para serem vencidas. Por que, meu amigo, eu já perdi as contas... e as saídas

Gato



É asfalto, concreto, rua. É abrigo da chuva pra eu matar minha sede da minha solidão. É meu canto que te acorda, é tua mão que me acaricia, mas meu guia é o instinto de estar sempre distante de me envolver. Fotografa minha presença que logo eu fujo sem aviso do refúgio que é teu colo pra eu dormir. E quando volto me percebe no caminho de passos leves e me conforta nesta cena sem cores. É preto e branco, bem simples, ancestral e ultrapassado como tua poesia sobre mim no papel pálido.

Fim de Tarde.


O sol arrasta-se, esta entardecendo. Sugiro ao meu fantasma que cante. Abrimos as cortinas, o cheiro da monotonia entra em nosso aposento, ele senta ao piano, e sua voz de tenor acaricia as paredes e meus tão machucados ouvidos. As lagrimas caem livremente em uma guerra que já desisti de lutar. Da janela, reuni-se à lied o vozear das crianças que brincam na calçada. As batidas do velho relógio de pendulo medem os compassos aos quais meus batimentos cardíacos se assemelham. Na estante a foto de meus pais, no apartamento ao lado, o chuveiro. Lá fora anjos me ignoram. Eu abaixo a cabeça e penso nos ferimentos da pele e nas cicatrizes da memória. O fantasma silencia sua voz, seus espectrais dedos se afastam do piano, sem barulho ele se aproxima e me abraça. Única companhia. Afaga-me e consente-me descansar no seu aconchego.

Príncipe das Trevas.


Apareceu-me em sonho, mais uma vez, querido! Sem que desta vez, em presença tu realmente precisasse estar. Num suspiro longo acordei, mas meu peito era oprimido e tive medo. Longe demais para que eu possa alcançar, entre mim e ti tem meu orgulho. Príncipe das trevas, tu deixas-te em minha pele um estigma que de tempos em tempos volta a sangrar. Schatten Herr, tudo era turvo em sonho, menos teus olhos densos nos quais mergulhei para tentar deixar o brilho desobscurecer e amenizar a raiva. Foi em vão! Agarrei em teus braços... tua presença era a mais forte graça da qual eu aceitaria, um dia, me comover. O que me aflige, é saber que tu és capaz de ter o mundo, mas luta contra quem não é teu inimigo. Quis acalmar tua revolta em meu colo, mas acredito que me tornei demasiadamente fraca, demasiadamente cansada. Não tenho armas para lutar em uma guerra por ti e necessito preservar o equilíbrio que ainda me resta. Tu eras todo o sonho do qual eu queria sobreviver ... (e de certa maneira, o pesadelo do qual eu tento fugir).

Recanto




Ao passares, se puderes, deixe seus rastros e suas sensações, para cultivar as flores no jardim e regar feito orvalho as personificações das letras em etéreos espectros de eternas venturas.

Ira

No meu peito o outono, ele chora o choro da vida que cai, balança no ar, suspira e espera. Sustento inutilmente a esperança e tento apagar da consciência esse grito mudo que corrói os nervos, essas palavras desafiadoras que ressoam dentro do crânio produzindo o eco da impotência. De braços cruzados e olhar perdido, qual Afrodite, tento sobreviver sem virtudes, mas ainda assim amo, mesmo que esse amor implique em fugir, refugiar-me entre os morcegos aguardando que a tempestade parta e leve para longe meu sofrimento, meu medo e minha ira, esse grito mudo.

terça-feira, 5 de outubro de 2010

Anicê



Anicê.
Fogo! E o mundo inteiro parece cair a seus pés.
A garota de cabelos e traços indígenas se redescobre divertindo-se naquela imagem de devastação. Amerê!
Hoje sou como Arani.
No lugar de florestas: gado, pasto, dinheiro fazendo dinheiro.
E me mudam de lugar. Casa nova.
No lugar da favela, de sua casa, de seus pequenos pertences sem valor monetário algum: a rodovia, os carros correndo de faróis feitos olhos selvagens na noite.
Bando de Jaguar.
Agora, novamente o fogo!
Quem chorou e quem se debulhou em lágrimas quando nem o vôo mais alto do pássaro mais rápido foi suficiente para sua fuga?
Quem chorou quando as madeiras da favela, quando a cortina velha, o lençol cheiroso viraram cinzas?
Cinzas para cobrir as cinzas de sua tristeza.
Eu sou Arani.
Fogo na grande casa. Fogo! O brilho de tupã seria cegado pelas chamas ferozes da revolta.
Mas é a mãe lua que presencia sua festa:
Ah, Airequecê!
Bandeira hasteada pela mão direita.
A alma limpa de dor e pelas mãos macias da vingança.
O corpo nu, os passos lentos.
Vestida de Araruna.
Ao longe o primeiro carro de bombeiros, do outro lado a viatura policial.
Índio anda pelado sim, meu senhor.
Eu sou Avá.
Ela pode alegar qualquer coisa perante as leis do homem branco.
E além do mais, não faz diferença.
Trocar uma cela por outra cela menor.
Alcova por cova, nem faz tanta diferença.
Além do mais, é dia de índio.
E índio quer... Quer ver o circo pegar fogo, porque palhaça é invenção dessa gente, dessa gente que não se sabe dizer muito bem quem ou o que é.
Índio quer ver o fogo.
Amerê. Amerê. Amerê.
Sou Avá e Araruna.
Airequecê. Esplendor que só você vê, Airequecê.
E que Amanaci hoje não de o ar de sua graça.
Hoje o Ipiranga vai fazer jus ao nome, é dia de Anicê.
E eu sou An!




Arani: tempo furioso
Amerê: Fumaça
Airequecê: Lua
Araruna: Ave preta.
Amanaci: Senhora da chuva
Ipiranga: rio vermelho.
Anicê: fogo.
An: fantasma

sábado, 2 de outubro de 2010

Um conto do riso desesperado

Conto de Caio S.C.





-OK, Você tem noção do que eu disse, certo?!Você tem noção dos perigos que você esta aceitando?!
-Sim
-Posso perguntar por quê?
-Pode
-Por quê?
-Porque sim, e não seria pra isso que vamos pra lá?!
-Sim, ... Mas....você não tem medo?
-Logicamente!
-Mas se você tem medo...E então?! Por que ir?
-O medo só vai me consumir em alguns instantes, eu vou errar, errar, errar, talvez quem sabe quase chegar nesses objetivos, mas pelo menos eu vou tentar, né?!
-Sim...humanos, seres estranhos.Você tem noção também do sofrimento que você vai passar né?!
-Cara, você me mostrou tudo, eu tenho noção sim!.....Porem, pensando bem....
-Então você desistiu?
-Não, não importa, a felicidade dos outros é mais importante que a minha, principalmente se eu amo essa pessoa. Mas não tem jeito mesmo de eu conseguir?!
-Isso só depende de você, o que você viu foi só uma das bilhares de milhares de possibilidades de ações, e de acontecimentos.
-E então ainda existe 1% de possibilidade?
-“Se você acreditar e tiver o que é necessário, no caso fé em si mesmo, você consegue o impossível!”
-Quem disse isso?
-Você quer dizer, “quando eu escreverei isso?!”, por que essa frase é sua, será durante mais uma fase ruim sua, você será uma ótima pessoa pra conversar com você mesmo, e com os outros também, e os outros adorarão conversar com você.
-Tá certo! Se existe uma mosca de oportunidade, eu acertarei meu tiro nela
-Bela outra frase sua!
-Valeu, sou bom nisso
-Você não sabe o quanto
-Não sei, mas imagino!
....
-Mas é tanto sofrimento... Esqueça, eu vou sim! Pode abrir!!!
-Certeza?!
-Eu disse que sim, não me faça pensar melhor!
- E ENTÃO QUE SE ABRA A PORTA DA ESPERANÇA!!!
O som de portas gigantes se abrindo
-Até mais, espera ai, “Até mais nada”, Não quero te ver nunca mais Morte.
-Espero que nem eu te veja, tão cedo - Risos - Então meu querido amigo sem nome, bem-vindo à VIDA!