quarta-feira, 23 de junho de 2010



É uma pequena palavra
Que não chegaria a ser nem mesmo uma pequena frase, estrofe, parágrafo ou texto.
É quente, doentia, cruel, dilacerante, empolgante, revigorante, intimadora, destruidora, construtora, forte, louca, desumana por ser humana de mais.
Detém o poder do prazer e de transformar sonhos em realidade.
Poderia ser “amor”, mas na verdade é “Coragem”.

segunda-feira, 14 de junho de 2010

Nihil III



O mais puramente medíocre é que eu sinto falta daqueles gritos que ouvia em minha mente. Até mesmo eles cessaram, nos últimos dias ou meses, só o que eu escuto é o som abafado da tosse de meu avô.
Ainda lembro quando ainda era um homem jovem, com vida gritando nos pulmões e cheio de desejos.
Eu envelheci rápido de mais. Rápido de mais.
Nem completei meus 35 anos ao que imagino, e tudo que tenho é um corpo cansado e poluído pela neblina acinzentada que eu chamo de “Grande Solidão”.
Engoliu cada pedaço de qualquer coisa que me fizesse querer viver.
Aqui, é como se não tivéssemos vizinhos, e como se nunca tivéssemos tido amigos.
Aqui não tem mais nada.
Precisava também dizer que eu não falo mais... visto que meu avô, única companhia, deixou de escutar faz tempo.
Tempo...
Eu também não sei quanto tempo faz que a Juliana deixou nossa casa.
Ela foi em busca de qualquer coisa.
Qualquer coisa que a mente dela inventou pra tentar acreditar.
Em deus.
E não tem nada.
Não tem mais nada.
Eu lembro que existia um rio, bem longe daqui, e lembro-me de beijos no rio.
E depois eu já não lembro mais nada.
Porque na verdade não tem nada.
E nada pra lembrar.
Só tem a Grande Solidão lá fora.
E também dentro de mim, e estou falando da neblina agora.
Da neblina que é fumaça.
Eu também me esqueci do Tom.
Quando ele voltou também havia perdido membros, ai nós o enfaixamos.
Desde então ele também não fala mais comigo.
Eu imaginava que os gritos na minha cabeça, eram os gritos dele.
Talvez fossem.
Talvez.
Eu não tenho mais cigarros.
Nos restam poucas conservas.
E depois, eu nem sei o que fazer.
Eu podia ter saído em busca de qualquer coisa.
Talvez eu não voltasse. Talvez eu voltasse sem alguma parte de mim.
Talvez ela volte.
Mas se ela estiver sem pernas, eu teria que ir buscá-la. Lá na Grande Solidão.
Mas ela esta entrando em casa, já está... aqui.
Eu devia ter consertado as janelas quando ela me pediu. Ai quem sabe, ela não entraria.
Não entraria pra piorar a tosse do meu avô.
Para impedir a cicatrização de Tom.
Para me deixar mais velho do que eu acho que realmente sou.
Pra ter levado-a.

Imagem: Quadro de Salvador Dali

Adendo:
Aos singelos (e inspiradores) pedidos de Liz.
E meu muito obrigado.

outros pedaços perdidos:
Nihil II
Nihil I

quarta-feira, 9 de junho de 2010

Ecos Natura




Nós contamos tantas estrelas em tantos anos e descobrimos os deuses.
Nós dançamos em rodas e em rodas em volta das fogueiras cantamos nossas paixões, nossas vitórias e nossas alegrias.
Em cada refrão de nossos sonhos, as pequeninas fadas vieram iluminar a escuridão das florestas.

E durante infinitas eras nossos ecos ecoariam, para além das florestas, pelos mares, em cada pequeno canto do vasto mundo.
E a cada horizonte vencido, nossas rezas pagãs e nossas canções de paz tornariam cada pequeno vilarejo mais harmônico.
Os deuses finalmente felizes descansariam e sobre nós apenas seus dons nos seriam trazidos como presentes através das chuvas e das estrelas cadentes.

Mas depois da tempestade e da ira, só o que nos restou, foram ouvidos surdos para nosso canto e corações apáticos para nossos ensinamentos.
Não poderia haver mais paz sem que houvesse alguém capaz de ouvir nosso canto e entender que nós falamos de algo dentro de cada um.
Algo que pode aquecer cada desesperado e cultivar a justiça em nome dos deuses.

Depois de tantas batalhas que esmagam o som de nossas canções, quase não há mais força em nossas veias e nem brilho nos olhos.
Não sabes para onde ir, ou para que continuar nesse truculento caminho construído.
Para que?
Mas se fecharem os olhos de todos e o único som a repercutir fosse o ritmo cadenciado da batida dos corações, nós poderíamos novamente ascender a fogueira e lhes dizer novamente, sobre as eras de contar estrelas nunca registrada.

Tens construído estradas que não levam a lugar algum que realmente possa se desejar estar.
Quando estar em roda perdeu o sentido, não há mais sentido para navegar pelas longínquas águas da alegria.
São como pequenos pássaros voando solitários, são peixes brilhantes ganhando águas escuras que não podem ser partilhadas.
São como uma sinfonia nunca composta ou uma poesia nunca escrita.

Mas nós ainda estamos cantando, ainda esperamos que alguém desnude-se das avarezas e dos julgamentos, e dentro de seu peito deixe-nos acender a fogueira.
Para cantarmos em roda e em rodas possamos nos tornar como um único corpo.
E finalmente os deuses nos tragam a dádiva do amor, da justiça e a paz.
Através de cada gota de chuva, estrela cadente e raio de sol.



Imagem: “A Parábola das Dez Virgens” de Friedrich Wilhelm von Schadow